Cabo Verde: cuscuz, poligamia e comunicação.
- vanfeitosa
- 12 de mar. de 2016
- 4 min de leitura

O Mestrado Acadêmico em Letras da UESPI organizou, na última sexta-feira (11), um encontro coma Prof.Dra.Tânia Lima da UFRN. Poderia ser uma palestra, uma troca formal de conhecimentos ou uma mesa de debates, mas não foi. A própria, em seu discurso inicial, disse que queria uma conversa "sem arrotos acadêmicos" ou distanciamentos que a sua condição de palestrante poderia causar.
Pois bem, a professora Tânia Lima, embebedou todos que estavam no auditório, inclusive a mim, que pesquiso um tema totalmente diferente do que seria dissertado no momento. Nossa convidada nos contou, graciosamente,um pouco da dimensão humana da cultura africana, em especial da comunidade Castelão, localizada em Cabo Verde.
Tânia participou de uma formação de professores em Cabo Verde e adentrou na rotina daquele povo por vinte dias. Ouvir sobre um outro país causa um pouco de expectativa, vontade de rastrear através dos relatos uma realidade que pode nos parecer distante. Mas falar sobre a África é tão exótico quanto comum, é conhecer um 'entre-lugar' que dialoga com o Brasil.
Ao chegar em Cabo Verde, Tânia ficou instalada em um hotel que atendia aos requisitos de conforto e comodidade exigidos pelos turistas. Mas a ideia de sair da zona de conforto e respirar os verdeiros ares do país foi bem mais tentadora, tão tentadora que ela foi morar na casa de um das famílias da comunidade.
Para simplificar nossa conversa irei comentar informalmente alguns pontos que a professora Tânia relatou sobre a sua experiência em Cabo Verde que acho interessante compartilhar com os colegas que não puderam comparecer à palestra. Vamos, la.
1- Lar doce lar : muita banheira, pouca água.
Construídas como castelos, as famílias tem uma preocupação especial em verticalizar as moradias. São prédios habitados por parentes que no café da manhã se reúnem para comer cuscuz (com um formato triangular ele é feito com milho e massa de batata). Interessante que a simbologia do cuscuz é tão forte que é servido em casamentos e festas formais.
Curiosidade: O livro "Cabo Verde: insularidade e literatura" explica como o milho, presente na bandeira de Cabo Verde, possui uma simbologia fundamental na cultura do país. Quem quiser pode ver o livro aqui
Ainda sobre a descrição dos lares da comunidade Castelão, senti na fala da palestrante uma inquietação ao descrever os banheiros. Sim, os banheiros! Tanto na periferia quanto nas zonas mais nobres, cada banheiro possui uma banheira nos padrões portugueses. Mas um dos maiores problemas sociais do país está relacionado à falta d'água. Tânia nos contou que na casa em que ficou hospedada tinha direito apenas a um balde de água por dia devido a escassez que assola boa parte do país. Então, o desejo pulsante do serviço de encanamento, da abundância de água está ali, dentro da casa de cada um na simbologia de um objeto português, ainda com as marcas da colonização.
2- Poligamia, patriarcado e libertação.
Cabo Verde é um país independente localizado à África Ocidental, constituído por dez ilhas e cinco ilhotas. Com a proximidade das ilhas é possível entender que a cultura destes povos seja parecida mas também cheia de peculiaridades.
Tânia nos explicou que em algumas dessas ilhas exite a poligamia institucionalizada. Ou seja, um homem pode ser casado com duas esposas (jamais o contrário) e assume o dever de assistir as duas famílias, herança da colonização mulçumana na Àfrica.
Em Cabo Verde, a poligamia é bastante comum, porém não é institucionalizada. O homem possui mais de uma família mas não colabora de forma igualitária com a esposa não oficial ( o que aqui chamamos de 'amantes'). Resultado? As mulheres continuam penalizadas, possuem um único parceiro a quem permanecem fiéis e dobram a jornada de trabalho para custear as despesas do lar.
Esposas, amantes, solteiras, mães...as mulheres movimentam o comércio informal. Com baldes e latas na cabeça, elas vendem tudo que tem valor comercial enquanto a maioria dos maridos ou filhos ficam em casa cuidando de outros afazeres como plantações rudimentares e criação de galinhas .Mas o serviço doméstico fica lá, no seu devido lugar esperando ser finalizado por aquela que, enfim, é vista como a responsável por ele.
Entre as mulheres que conheceu, Tânia comentou sobre as divorciadas. Bem, as divorciadas dizem que se libertaram da "escravidão da pia", pois como já foi dito anteriormente, além do desgate no mercado ainda são obrigadas a cuidar da casa. Obrigadas não, estas conseguiram o que chamam de libertação.
Bem, e os espaços de lazer do Castelão? Tânia disse que teve a oportunidade de participar de uma festa animada ao som do Funaná. Ela o descreveu como um “som revolucionário” com tambores, sanfonas, triângulos e gaitas. Mas uma festa ocupada apenas por homens! Cadê as mulheres, gente? Estão em casa...cuidando dos afazeres .
3- Educação e comunicação.
"A maior parte dos habitantes da minha terra não sabem ler nem escrever. Mas sabem contar histórias. E sabem escutar. São pessoas que guardam essa meninice dentro de si e acreditam que esse olhar de criança é importante para ser feliz e produzir felicidade para os outros". (COUTO, 2008, p. 38)
Para minha surpresa, soube que o Ensino Fundamental em Cabo Verde é público e de boa qualidade, enquanto que o Ensino Superior , ainda que privado, deixa muito a desejar. As crianças, em sua arte de contar e ouvir histórias, falam a língua crioula cuja base lexical é portuguesa. Conhecido como um português mal falado, ou dialeto, o Crioulo mistura (como na massa de cuzcuz de milho com batata, rs) as marcas do colonizador e do colonizado.
Como a língua oficial é o Português, as crianças protagonizam de forma conflitante o problema que nós professores das bandas de cá nos deparamos em sala de aula: oralidade x escrita. O diálogo entre alunos/crianças e professores (mestres e doutores) é lento e pesaroso.
Encontrei esse artigo bastante interessante sobre a desconstrução dessa didática que tenta massacrar o crioulo. Quem tiver interesse é só clicar aqui
Bom, é isso! Na próxima segunda-feira (14), às 09h no auditório Pirajá, o Prof. Dr. Sávio Roberto Fonseca da UFRPE dará continuidade ao Ciclo de Palestras com a temática: Moçambique no Feminino.
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